Especialistas em
treinamento e certificações apontam que o caminho para quem quer
trabalhar com Linux pode ser árduo, mas compensa
Procura-se um
profissional com visão generalista para o mundo da infraestrutura
da informática, que saiba integrar plataformas diversas, como Unix,
Linux, Windows, que seja flexível e dedicado ao estudo aprofundado
dos principais sistemas em uso. Ser um profissional da área de
informática atualmente é algo desafiador, pois integração é a
palavra-chave no mercado de trabalho. Muitas empresas não mudam
totalmente os seus sistemas da noite para o dia, mas sim, adaptam o
hardware que possuem para as demandas de informação específicas
para a sua atividade-fim. Soluções que mesclam softwares livres com
proprietários em plataformas diferentes tornam-se comuns. E o
profissional de informática está preparado para esse cenário?
Na opinião de
especialistas em treinamento e consultores profissionais, o mercado
de trabalho traz algumas exigências. Ser formado em curso
universitário reconhecido pelo MEC, por exemplo, é uma delas.
"Dependendo da empresa, o nível superior é fundamental para a
sua admissão", comenta Valério Kikuchi, diretor geral da Utah
Consultores, empresa de São Paulo que oferece treinamento e soluções
na área de informática e que já treinou mais de 7.000 alunos de
empresas como a Citibank, IBM Brasil, UOL, entre outras. Empresas de
consultoria, salienta Kikuchi, têm encontrado dificuldades de
colocar profissionais não-bacharéis no mercado. "Algumas
empresas já pedem os currículos dos consultores e se não forem
formados, poderão ser indeferidos nos projetos", explica.
Para o diretor
presidente da Impacta Tecnologia, Célio Antunes de Souza,
independentemente de o profissional ter nível superior ou não, o
fundamental é conhecer todas as características e detalhes mais
importantes do sistema operacional, seja ele qual for. Para Antunes,
isso se deve à forma como o Linux é utilizado nas empresas. "Os
ambientes são heterogêneos, mantendo diversos sistemas
operacionais, de fabricantes e versões diferentes", diz. O
exemplo de Linus Torvalds mostra que nem sempre é preciso ter um
diploma para criar um sistema operacional. Ele ainda cursava ciência
de computação na Universidade de Helsinque quando resolveu criar um
sistema alternativo, que deu origem ao Linux. "O importante não
é apenas o domínio da informação, mas sim a capacidade de olhar
algo com olhos de quem quer aprender, ou seja, desde que a pessoa
tenha a vontade de aprender, ela terá uma facilidade muito grande
para dominar o Linux", declara Pedro Matheus, consultor da
Harvest Consultoria, de São Paulo.
O caráter
comunitário do Linux, com seus milhares de programadores e usuários
em todo o mundo, que trocam informações constantemente e resolvem
problemas por meio da Internet, tudo isso realmente facilita muito o
aprendizado, mas de nada adianta se não dominar o idioma de
Shakespeare. "Todo o rico material para Linux e os melhores
cursos estão em inglês e essa é a língua do mundo dos negócios",
complementa Valério Kikuchi.
O mercado de trabalho para o
profissional de informática com conhecimento em Linux ainda é
atraente, pois segundo Kikuchi, há poucos realmente capacitados para
as necessidades. No entanto, as coisas não são tão fáceis como
parecem. Na opinião do presidente da Impacta, Célio Antunes, apesar
da grande oferta de treinamentos especializados em todas as áreas do
Linux, nem todos os alunos estão aptos a preencher a demanda do
mercado de trabalho. "Isso acontece ou porque não conseguem
absorver os conhecimentos necessários ou, quando absorvem, ainda não
têm a experiência exigida pelas empresas", justifica.
Apesar do fato de
que hoje em dia ser especializado em Linux seja uma grande vantagem
no mercado da informática, o fator pessoal é ainda predominante na
hora de escolher aquela ou outra pessoa. "Se dedicar ao estudo
mais profundo do sistema e procurar a cada dia mais se especializar
em um determinado assunto é um diferencial que acredito que nunca
será superado", diz Antunes.
Desktop é desafio
A rotatividade
também é algo importante a ser analisada, apontam especialistas. O
diretor da Utah, Valério Kikuchi conta que nas décadas de 70 e 80,
o mercado de trabalho em informática já tinha uma rotatividade alta
que ficou ainda maior com o surgimento de uma nova forma de trabalho:
a consultoria. "Sem o vínculo da CLT, o pessoal da informática
foi atrás de contratos, alguns apenas por dinheiro e outros por
trabalhos mais desafiadores", diz. A partir do final dos anos
80, com a ampliação da parafernália informática (equipamentos,
softwares e periféricos) e de seus fornecedores, os trabalhos de
consultoria cresceram e favoreceram as mudanças constantes de local
de trabalho e, inclusive, empresas. Muitas delas acabam contratando
ex-funcionários da concorrência, acirrando a disputa pelos
profissionais com mais conhecimentos.
Sobre o assunto
certificação, Kikuchi diz que tem sido procurado por empresas de
vários portes que estão migrando toda, ou parte, de sua
infraestrutura operacional para o Linux. De acordo com ele, as
empresas querem fazer a certificação para "ter na mão" a
sua nova infraestrutura. "Com o Linux, ela fica mais estável,
mas requer uma nova especialização que admite poucos erros de
suporte". No que se refere ao desktop, Kikuchi afirma que poucas
empresas já decidiram mudar para o sistema operacional do pingüim.
"Essa é ainda a última fronteira para o Linux", completa.
Conhecimento
profundo
A complexidade do
trabalho em informática valorizou acentuadamente os gerentes cujos
salários, de acordo com estimativa do diretor presidente da Impacta,
Célio Antunes, podem ser superiores a R$ 5.000. Para ele, os maiores
empregadores para os profissionais capacitados em Linux são empresas
de telecomunicações,desenvolvimento de software e provedores de
Internet. "Profissionais com nível gerencial necessitam ter um
conhecimento mais profundo do sistema, devem saber o que pode e o que
não pode ser feito com o Linux e ter experiência nas áreas em que
atuam", explica. Para Antunes, boa parte dos custos de projetos
com Linux pode ser reduzida com o apoio dessas pessoas. Na hora de
preencher um currículo, alguns pontos são importantes, aponta
Antunes. O primeiro deles é que todo e qualquer tipo de treinamento
realizado deve ter sido feito por profissionais da área. "Outros
cursos de especialização devem ser citados, principalmente os que
têm uma relação direta com o objetivo a ser alcançado, além das
experiências anteriores diretamente ligadas ao Linux", destaca.
Funções do
profissional Linux
Muitas empresas que
passam a adotar o Linux em suas redes estão à procura de pessoas
especializadas, que podem ser contratadas ou até trabalhar como
prestadoras de serviços. As funções mais conhecidas são as de
administrador de redes, especialista em segurança, desenvolvedores e
profissionais de suporte técnico/help-desk. Para saber mais sobre
cada uma dessas funções, a Revista do Linux entrevistou quatro
profissionais que trabalham na maior distribuição Linux na América
Latina, a Conectiva.
Desenvolvedores
O programador do
projeto KDE e colaborador da Revista do Linux, Roberto Teixeira,
explica que a principal função do desenvolvedor de software é
encontrar soluções para problemas. As ferramentas que um
desenvolvedor deve dominar dependem muito dos projetos em que ele
esteja envolvido. "Um programador C precisa dominar o compilador
C, o debugger e deve dominar um bom editor. O importante é conhecer
a lógica dos sistemas para ser um desenvolvedor", complementa.
Para Teixeira, ninguém conhece tudo sobre desenvolvimento de
software. "Muita gente tenta aprender uma linguagem de
programação sem realmente aprender a programar. O que é importante
é a lógica", diz. A preguiça definitivamente deve ficar longe
de todo desenvolvedor de software, aponta Teixeira. Para ele, em
programação nunca se acha tudo "mastigadinho" e pronto,
como em outras áreas. "Na programação, o desenvolvedor deve
ter a capacidade de abstrair informações e ir atrás de soluções".
Os livros, frisa Teixeira, podem, no máximo, ser boas referências,
mas para ele nunca existiu nem jamais existirá um livro que ensine
alguém a ser programador.
Qualidades necessárias para ser um desenvolvedor
capacidade de abstração, curiosidade, paciência, persistência.
"É importante
não ter vergonha de perguntar a quem sabe mais, mas também não se
pode perguntar algo sem antes procurar descobrir, se não, a pessoa
não aprende".
Roberto Teixeira -
desenvolvedor do KDE.
Especialistas em
segurança
Há muitas coisas
que o especialista de segurança pode fazer. Tudo depende da função
de cada um deles em uma empresa (ou até mesmo como autônomos). Eles
podem auditar programas e sistemas, próprios ou de terceiros, podem
realizar testes de segurança de redes (própria ou de terceiros),
também chamados de testes de penetração, corrigir os problemas de
segurança encontrados ou se responsáveis pela segurança da rede da
empresa onde trabalham.
Para o especialista
em segurança da Conectiva, Andreas Hasenack, que também já
colaborou com a seção Segurança da Revista do Linux, um bom
especialista em segurança deve, antes de tudo, conhecer em detalhes
todos os sistemas operacionais envolvidos em seu trabalho.
"Precisa
conhecer protocolos de rede e linguagens de programação, ser
criativo e imaginar o que um atacante poderia fazer", afirma.
Para Hasenack, o especialista deve usar, preferencialmente suas
próprias ferramentas e scripts. "Acreditar piamente no que um
programa te diz, sem saber o que o programa está exatamente fazendo
e como está chegando àquele resultado, é pedir para ficar com uma
falsa sensação de segurança", comenta.
Para aprender tudo o
que sabe sobre segurança, Hasenack já perdeu a conta de quantos
livros, listas de discussão, manpages e artigos já leu. "Além
de ler, ler e ler, o especialista em segurança deve experimentar as
ferramentas, analisar, por exemplo, o tráfego gerado por elas e
entender como funcionam. Se não gostar de ler no computador, imprima
e encaderne", explica.
O que um
especialista de segurança deve estudar?
esquemas de
autenticação, netfilter, rootkits, criptografia, capabilities e
sistema de privilégios e permissões.
Bugs mais
conhecidos que sempre se repetem:
buffer overflows,
erros na formatação de strings, condições de corrida com arquivos
temporários, injeção de comandos SQL em consultas, problemas de
escape de caracteres perigosos (Shell, Perl, PHP, o próprio SQL) e
outros.
"O importante é
ler, ler e ler. Ah, e ler. Se não gostar de ler no computador,
imprima e encaderne".
Andreas Hasenack,
especialista em segurança da Conectiva.
Administradores de
redes
Quando se monta uma
rede de informática, o administrador de redes pode trabalhar em
conjunto com o especialista em segurança para elaborar a estrutura
da rede e políticas de acesso que melhor se ajustem à realidade da
empresa. "O administrador participa diretamente na montagem
dessa estrutura, tanto fazendo quanto organizando os técnicos
envolvidos na montagem", explica o administrador da rede da
Conectiva, Moisés José Gonçales dos Santos. Ele aponta que, depois
de ter a estrutura montada e em funcionamento, o papel básico do
administrador é mantê-la funcionando devidamente, e, para isso, é
necessário um monitoramento constante do tráfego, dos serviços e
dos servidores da rede.
Outro item
importante na hora de administrar uma rede é o cuidado constante com
a sua segurança, por meio de atualizações de segurança, boas
políticas de "firewalling" e detecção de acessos
indevidos. O administrador também pode gerenciar as contas dos
usuários, logins, senhas e e-mails. A pesquisa e implantação
constante de novas tecnologias também são fundamentais no trabalho
do administrador. "Visamos sempre melhorar a estrutura da rede e
os serviços presentes nela", considera.
Para Moisés, a
Internet é a melhor fonte de pesquisa disponível. "Tudo que é
novo e está sendo explorado se encontra em sites especializados, com
reviews de outras pessoas que estão trabalhando naquilo",
observa. Ter um bom embasamento sobre protocolos de rede, conceitos
de segurança em rede, serviços e inclusive cabeamento físico são
conhecimentos necessários que podem ser obtidos em cursos
específicos voltados para administração de redes. Livros também
podem ajudar a vida do profissional, principalmente aqueles sobre
protocolos como TCP/IP (para entender a base da rede). Até os
manuais de roteadores e switches permitem aos administradores
perceber e usufruir tudo que esses equipamentos podem fazer. "Na
parte de servidores e serviços, a documentação que os acompanha
normalmente é suficiente para colocá-lo em funcionamento, mas caso
falte alguma coisa, é sempre possível recorrer à Internet e buscar
casos em que foram encontradas as mesmas dificuldades",
finaliza.
Analista de
Suporte Técnico
"O suporte
técnico é uma área agradável e infernal ao mesmo tempo, apesar de
eu ser suspeito, pois gosto muito do meu trabalho". A afirmação
é do coordenador de suporte da Conectiva, Marcelo Martins. Os
profissionais de suporte técnico prestam auxílio ou resolvem os
problemas decorrentes da instalação, detalhes de configuração e
até na detecção de bugs, que são repassados às equipes de
desenvolvimento, para que sejam corrigidos. "Ao receber a
correção, o suporte deve instalá-la e verificar se solucionou o
problema", explica. De acordo com Martins, a rotina desses
profissionais é puxada, e quem quiser se aventurar na área tem que
se habituar com horários estranhos, suporte 24 horas e atendimentos
emergenciais. "Afinal, somos quase um médico de micro",
comenta.
Um profissional de
suporte Linux deve dominar plenamente o sistema operacional, sua
administração e configuração, além de ter conhecimentos básicos
de programação no caso de alguma recompilação do sistema para
arrumar um problema. "Quem trabalha no suporte deve ter o
domínio das ferramentas de pesquisa, saber analisar logs do
sistema", aponta Martins. Outra dica que ele aponta para aqueles
que querem se aventurar na área é manter-se atualizado com a
leitura de sites de notícias em Linux, tutoriais e conversas com os
colegas de suporte ou desenvolvimento. "Foi pela Internet que
consegui a maioria dos Howtos, artigos e notícias para a minha
formação em Linux. Há também as listas de discussão. Afinal, o
Linux é uma comunidade e todos procuram ajudar", assinala.
Martins enumera as
principais tarefas para se tornar um bom profissional de suporte.
"Pesquisar na Internet, participar de listas de discussões e
fóruns, ter ao menos uma máquina para testes, reinstalações e
recompilações, ser persistente, pois muitas coisas se escondem nos
detalhes". Ele explica que, embora a comunidade Linux ajude, as
pessoas não devem esperar as "receitas de bolo" ou que
expliquem tudo detalhadamente. "É necessário esforço para
aprender. Se pegar tudo pronto, o profissional não cresce",
aponta. Para ele, por mais que a profissão de técnico de suporte
tome tempo, esse profissional deve sempre encontrar um meio para
manter-se atualizado, pois o mundo Linux é muito rápido em suas
mudanças e novidades.
Tipos de suporte
Help
desk remoto: o atendimento é feito por e-mail e
telefone, o suporte é considerado passivo, pois depende da demanda
do cliente ao entrar em contato para a resolução de um problema. O
profissional de suporte usa, nesse caso, a técnica do repasse do
conhecimento, por meio do qual vai informando para o cliente o que
ele deve fazer para que seu problema seja resolvido.
Atendimento
On-Site: o profissional de suporte vai até o cliente para
resolver o problema, sendo que nesse caso, não é raro que sejam
gastas noites e finais de semana com o suporte técnico debruçado em
um determinado problema.
Resolução
remota: o suporte técnico conecta-se (ssh, dial-up, etc.) à
máquina do cliente para resolver o problema.
Suportes de
segundo nível: o profissional atende outros técnicos para
auxiliar na solução de problemas, sendo que nesses casos os
problemas são complexos e exigem alto conhecimento do profissional.
"O mais
importante é ser muito bom em relações humanas, pois no suporte
nem sempre mexemos com máquinas, mas temos que tratar com um
cliente, um outro técnico e, muitas vezes, nosso sucesso depende mais
dessa relação do que do trabalho em si".
Marcelo Martins -
Coordenador do Suporte Técnico da Conectiva
Rodrigo
Asturian - asturian@RevistaDoLinux.com.br
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